15 de janeiro de 2015

MARINA MOURA PEIXOTO, ARTISTA DE TODOS OS TEMPOS

Por Antonio Castigliola (1951 – 2010) e Fernando Moura Peixoto

Chegou a ser comparada artisticamente a Magdalena Tagliaferro, a lendária e genial pianista brasileira. Menina prodígio, vocação e talento nato para a arte musical, assombrou plateias em todo o País – com pouco mais de três anos já dava recitais no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, no Instituto Nacional de Música e na Associação dos Empregados do Comércio.
Muito apropriadamente, à época, a mídia a chamava de “a pianista minúscula”, maneira encontrada para referendar sua grandeza musical com tão pouca idade. Um feito, aliás, comparável ao de Mozart, que, aos quatro anos começou a dedilhar suas primeiras grandes obras. E também Isaac Albéniz, que muito precocemente apresentou-se em público.
Nascida Marina Quartin de Moura, em 27 de março de 1917, na Rua Lúcio de Mendonça, nº 30, na Tijuca, Rio de Janeiro, filha do capitão farmacêutico do Exército Eduardo José de Moura Filho, mineiro de Mariana, e da carioca Carmen Quartin Pinto de Moura, aos 17 anos ela já era consagrada pianista, com excursões em várias capitais nordestinas – Maceió, João Pessoa e Aracaju foram algumas incluídas em seu “tour” artístico. Em todas, sempre acompanhada de familiares - seu pai e os irmãos Mário e Gastão.
A propósito de suas apresentações, Zoroastro G. Figueiredo assim se referiu a ela em sua coluna de “A Tarde”, na Bahia, em agosto de 1934: “Nasceu lírica e as suas mãos, apaixonadas como sua alma, evocam, quais bailarinas místicas, ritmos polifônicos, esplendorosos e sublimes, grandiosos de pequenos infinitos de beleza e de emoção”.
Outro entusiasta da obra de Marina foi L. Lavenére. Em sua coluna de “A Gazeta de Alagoas”, de 3 de agosto de 1935, ele assim registrou a passagem da pianista por Maceió: “Ficamos surpreendidos de sua virtuosidade, do seu elevado sentimento na interpretação de compositores de gêneros quase opostos, como Chopin e Villa Lobos”.
Elogios sempre foram uma tônica a acompanhar a vida de Marina. Encantado com uma audição em Copacabana da então “pianista minúscula”, aos três anos e meio de idade, Dr. Rodrigues Barbosa, em “O Jornal”, reportou a apresentação da artista: “Ela é um assombro de precocidade artística. É um talento musical espontâneo e exuberante que irrompe desassombradamente”.
O crítico ficara embevecido com o fato de Marina – era uma audição dos alunos da professora Matilde de Andrade Adamo – usando apenas uma das mãos, que alcançava somente uma quinta, executasse com tamanha maestria “Berceuse de La Poupée”, “Gavotte” e “Galop”, de Beaumont.
Prossegue o Dr. Rodrigues Barbosa: “O som é um material que ela conhece sob todas as suas formas. Colocando-a de costas para o piano, formulam-se quaisquer acordes ‘plaqués’ e ela diz imediatamente os nomes das notas todas contidas nesses acordes, discriminando as suas alterações conforme as tonalidades. Até que altura subirá essa menina predestinada à celebridade e à glória?”
O talento inconteste de Marina valeu-lhe mais um reconhecimento: recebeu, aos cinco anos, um piano de presente, da mecenas Laurinda Santos Lobo, como estímulo para aperfeiçoar-se. E, aos 15 anos, em 1932, agora aluna da professora Dulce de Saules, a consagração: conquistou, por unanimidade de votos, a Medalha de Ouro em concurso da Escola Nacional de Música. Tocou, na ocasião, um concerto de Grieg.




A paixão pela música a fez encontrar outra grande paixão em sua vida: Perilo Galvão Peixoto. Médico e depois jornalista e radialista, amante da música erudita, ele foi um dos pioneiros na divulgação da ópera no Brasil com o programa “Ópera Completa”, exibido na então Rádio Ministério da Educação e Cultura – era um dos líderes de audiência na emissora e chegava a rivalizar no horário, aos domingos, com a televisão.
Com Perilo, Marina viveu toda sua vida. Do casamento, que completaria 70 anos em 26 de maio deste ano – a cerimônia de núpcias ocorreu na Matriz de Nossa Senhora da Paz, em Ipanema – teve dois filhos: Fernando José e Teresa Cristina.
A dupla Perilo-Marina começou a ser formada a partir de apresentação de uma amiga comum, Miosótis de Albuquerque Costa, paraibana, que costumava se hospedar nas casas - bem próximas - das duas famílias, em Copacabana. De um namoro ainda incipiente, a paixão seria consolidada dias depois da execução do Concerto em Lá Maior de Grieg, na Escola Nacional de Música. Embevecido com a arte de Marina – Perilo era um profundo apreciador de música erudita – ele acabou tocando definitivamente no coração da pianista.
A irmã de Perilo, Zurica Galvão Peixoto, contou: “Ele ficou tão entusiasmado com a performance que lhe enviou uma linda ‘corbeille’, entregue no palco, em homenagem. Foi então que o namoro decolou e acabou se transformando numa grande paixão”.
Marina tinha múltiplas facetas artísticas. Em 1942 ingressou na Rádio Ministério da Educação e Cultura, PRA-2, hoje Rádio MEC. E produziu, sempre com estrondoso sucesso, os programas “Atendendo aos Ouvintes”, “Em Resposta a Sua Carta”, “Música de Todos os Tempos”, “Música, Apenas Música” e “Quartetos”. Lá também compartilharia a paixão musical com o marido, que comandaria, de 1953 a 1956, aquele que é considerado o mais antigo programa do rádio brasileiro, “Ópera Completa”. Ainda nos anos 1950, colaborou eventualmente com artigos sobre música no jornal “Diário de Notícias”.
Foi nos estúdios da Rádio MEC que o fotógrafo Manuel Ribeiro – documentarista, diretor, montador e chefe da seção técnica do Departamento do Filme Educativo do INC, colaborador de Humberto Mauro – cravou as melhores fotos do casal Perilo e Marina, antes e depois do matrimônio. Outros cliques também seriam feitos, agora, com os filhos pequenos Fernando e Teresa.
A “intelligentsia” carioca sempre prestigiou a pianista. O jornalista Fernando Segismundo relatou as incontáveis “canjas”, apenas com músicas do cancioneiro brasileiro, que Marina oferecia, nos estúdios da Rádio MEC, a um seleto público que incluía intelectuais do porte de Humberto Mauro, Roquette Pinto, Heitor Villa Lobos, Fernando Tude de Souza e o grande pianista Max de Menezes Gil.
 “- Marina e Perilo extravasavam cultura e conhecimento. De famílias ilustres, completavam-se, numa interação mais que perfeita” - sentenciou Fernando Segismundo, ex-presidente da Associação Brasileira de Imprensa, ABI.
Figura destacada, Marina, em 1963, numa homenagem da Rádio MEC a Mário de Andrade, poeta, crítico literário, musicólogo e folclorista, foi a escolhida para depositar flores ao pé do busto do literato, na Praça do Russel, na Glória, em seguida a uma cerimônia religiosa na Igreja da Candelária.
Como todo grande artista, Marina soube compartilhar sua arte. Além de realizar concertos beneficentes promovidos pelas senhoras da sociedade Roquelina Serrador, Gabriella Besanzoni Lage, Alzira Brandão e D. Darcy Vargas (a primeira-dama do País), deu aulas de piano para jovens. Durante toda a vida nunca se esqueceu de sua grande mestra, amiga e professora Dulce Saules – com ela sempre manteve contatos regulares, trocando ideias sobre o amor maior de sua vida: a arte.
A veia musical de Marina parece ter sido despertada assim que nasceu. Tinha um tio, médico pediatra, pianista e boêmio, Jayme Quartin, que tocava músicas clássicas e populares, e era amigo de Ernesto Nazareth, frequentador da casa dos Quartin, na Tijuca. Polivalente, o tio Jayme gostava de se apresentar ao piano em gafieiras. Além dele, as irmãs de Marina, Maria Solange, pianista, e Carmita, violinista, também contribuíram para incutir a arte naquela que seria a maior artista da família, composta por oito irmãos.
Como tudo em Marina terminava em música, acrescentou-se uma irmã de criação, nascida em 1935 - já na Av. N.S. de Copacabana, nº 1145 -, Thereza da Conceição. Afro-brasileira e dedicada ao violão, foi discípula de Dilermando Reis, João Pereira, Othon Salleiro, Garoto e Luiz Bonfá. Presença constante no auditório da Rádio Nacional, ela conquistou várias notas máximas no programa de Ary Barroso. Exímia violonista, incursionou pelo erudito. Única irmã de Marina viva - foram grandes amigas -, Thereza da Conceição Gomes Martins é viúva de Justo Gomes Martins Neto, o “Paulistinha”, notável no violão, violão tenor, banjo americano, cavaquinho e bandolim, um dos fundadores do grupo inicial dos “Demônios da Garoa”.  Aos 79 anos, uma das poucas mulheres “sete cordas” no País, Thereza Martins está em franca atividade: toca e compõe.

A obra de Marina Moura Peixoto – que partiu num entardecer musical de 26 de fevereiro de 1975, dias antes do Carnaval – e seu virtuosismo ficam para sempre. Pois ela, como ninguém, soube entender que ao artista cabe exprimir não só o que é de todos os homens, mas também o que é de todos os tempos. Marina é uma artista de todos nós, de todos os tempos.

Nenhum comentário:

Thomas Hampson: The famous baritone and his love for Franz Schubert

00:00 ​ Franz Schubert: Erlkönig (excerpt) 05:49 ​ Franz Schubert: Der Wanderer an den Mond (excerpt) 07:54 ​ Franz Schubert: Der Sänger ...